Paranda di fin di anja

Paranda é uma palavra em papiamento que significa folia, festa. Durante as festas de fim de ano, essa palavra é mais usada que nunca, assim como o termo core paranda. Core paranda significa ir de festa em festa. A primeira coisa importante de saber é os três principais feriados do ano: páscoa, natal e ano novo tem dois dias de duração. Na páscoa, a segunda-feira também é feriado: o domingo é chamado 1º dia de páscoa e a 2ª feira é chamada o 2º dia de páscoa. No Natal é igual, tanto o dia 25 é feriado (1º dia de Natal) quanto o dia 26 (2º dia de Natal). Da mesma maneira, tanto o dia 1 quanto o dia 2 de janeiro são feriados.

O peculiar das festas de fim de ano – paranda di fin di anja (pronuncia-se anha) – é que todas as pessoas da família costumam receber os parentes e amigos em algum dos quatro dias de festa. A primeira vez que eu passei o Natal em Aruba foi em 2003 e deixei o frio da Holanda por duas semanas com a ilusão de que ia passar uns dias deitada na praia, aproveitando o sol caribenho. Logo no avião meu marido foi avisando: nós mal vamos ter tempo de ir pra praia, tem muitas festas de família. Bom, na minha experiência pessoal, normalmente tinha uma festa de natal e uma festa de ano novo, onde todo mundo se vê, não entendi como íamos ter tão pouco tempo para outras coisas.

Mas aqui a maioria das pessoas costuma receber em casa em algum momento, principalmente na família materna do meu marido. Seus avós tiveram dez filhos, dos quais oito vivem em Aruba. A tradição deles quando estavam vivos (morreram com mais de noventa anos cada um) costumava ser assim: cada filho ou filha jantava com sua família no dia 24, depois cada família ia para a igreja do seu bairro ver a missa do galo e depois da missa, todos iam para a casa dos pais, para a primeira grande festa com toda a família extendida. Depois que ambos faleceram, uma das filhas, que herdou a casa dos pais, continuou com o costume e os primeiros natais que eu passei aqui ainda tinham essa tradição que era mais apreciada pela parte jovem da família. Nós passávamos a madrugada lá jogando jogos de cartas, dominó, fazendo brincadeiras diversas e ninguém saía de lá com mãos vazias. A tia dele fazia questão de comprar presentinhos para todos os que aparecessem por lá, como faziam os seus pais. Sempre eram pequenos mimos genéricos, pensados para agradar a todos. Eu me lembro que, em 2004, minha sobrinha amou ganhar um par de meias de papai noel, e nós ainda temos dois baralhos de UNO e um mini presépio ganhado em uma dessas festas. Essa festa durou até 3 anos atrás, quando essa tia, já com 75 anos, disse que estava cansada demais para continuar com a tradição. E até porque ninguém da geração dela ia mais, só os sobrinhos e sobrinhos-netos iam.

Normalmente, os mais velhos ficavam em casa para se preparar para jornada do dia seguinte. No dia 25, a programação da família é às 11:30h na casa de uma tia (que também já se cansou e passou a bola para o filho mais velho), às 17h na casa de outra tia e às 20:30h na casa dos meus sogros. Sempre com muita comilança e sempre os anfitriões dão presentes para todas as crianças da família extendida. Nos meus primeiros natais aqui, quem ganhava os presentes ainda eram os da geração do meu marido. Mas, depois que praticamente todos da geração dele passaram a ter filhos, em algum momento decidiu-se passar os presentes para os pequenos. Vejam bem, essa programação de 3 festas num dia é só do lado materno do meu marido. Ainda temos o lado paterno. Por sorte no lado paterno, toda a família se reúne na casa da mãe do meu sogro, que é o primogênito de 14. Por isso eu digo, muita sorte mesmo, até porque o 2º dia de Natal segue o mesmo ritmo de festas, assim como os dois primeiros dias do ano.

Uma coisa que eu acho curiosíssima é que todo mundo se cumprimenta com beijinho e falando feliz natal ou feliz ano novo e se despede, também com beijinho. Tudo isso para algumas horas depois cumprimentar e dar beijinho em todo mundo e despedir-se da mesma maneira. E após algumas horas repetir o processo pela 3ª vez no dia! A única coisa que muda é que para o anfitrião o cumprimento passa a ser bon pasco na bo cas (feliz natal na sua casa) ou bon anja na bo cas (feliz ano novo na sua casa.

Por muito tempo, eu pensei que esse costume de várias festas por dia era exclusivo da família da minha sogra até que conversando com outras estrangeiras casadas com arubianos, eu fiquei sabendo que esse costume é bem comum em Aruba e elas também participavam da maratona.

Provavelmente, a tradição de ano novo mais típica arubiana (que não existe em Bonaire nem Curaçao) seja o dande. O dande é um grupo de músicos que vai de casa em casa cantando uma canção (sempre a mesma), em que o cantor do grupo deseja boas coisas para as pessoas da casa. Normalmente, ao chegar na casa, o cantor recebe uma lista com o nome das pessoas presentes e a cada verso pede bençãos para aquela pessoa e termina o verso falando ainobe. Eu já li em alguns foruns de gente falando sobre Aruba que isso significa ano bom, mas não é verdade, nem aino é ano e nem be é bom. Essa palavrinha não tem significado nenhum e nenhuma das pessoas que eu perguntei soube me explicar de onde veio. A pessoa mencionada no verso põe um dinheirinho no chapéu dele como agradecimento pelos bons desejos expressados pelo cantor de dande.

Aqui eu preparei um video curtinho com dois grupos dande só para dar uma idéia de como é:

Feliz 2012 a todos!

Os fogos de fim de ano

Falar de fogos de fim de ano parece chover no molhado, mas aqui em Aruba essa tradição tem algumas particularidades. Para começar, só existem 5 dias do ano em que é permitido vender fogos de artifício e somente 11 dias nos quais são permitidos usá-los. As vendas se iniciam no dia 27 de dezembro e terminam no dia 31. E até o dia de Reis (6 de janeiro) de cada ano é permitido soltá-los. Depois que eu tive minha filha, passei a dar muito valor a esse costume e já não me imagino tendo que me preocupar ao final de cada jogo se ela vai acordar da soneca com a barulheira. Agora imaginem se você só pudesse comer chocolate durante onze dias ao ano? É mais ou menos isso que acontece por aqui. As pessoas realmente aguardam essa época e se empolgam bastante.

Os fogos são vendidos em contêineres que se transformam em banquinhas por vários pontos da cidade. E existe também uma regulamentação a respeito de quais fogos podem ser vendidos. No dia 30, um comerciante teve o seu negócio fechado porque uma inspeção de rotina descobriu que ele tinha alguns tipos de fogos que são proibidos escondidos na parte de trás. Ele perdeu a licença e não vai poder mais vender nos outros anos além de ter tido todo o seu estoque recolhido.

quiosque de fogos de artifício

No dia 30 algumas barracas já davam desconto para não ficar com estoque.

Pessoas comprando caixas de fogos

Muita gente saía com caixas e caixas

fogo de artifício chamado Aruba

Um artigo especial para o mercado local

Surtido de fogos numa loja

Um exemplo do surtido

Outra tradição local é a pagara. A pagara é uma linha de bombinhas enroladas circularmente. Segundo a tradição local (parece que esse costume veio da China), dá boa sorte porque espanta o fucu (maus espíritos). Todo mundo compra a sua pagara. Todo mundo mesmo, todas as casas e todos os negócios (inclusive o governo, que acendeu sua pagara no dia 30) acendem a pagara. O tamanho da pagara é determinado pelo número de tiros. As menorzinhas tem 5.000 e as maiores compradas por particulares podem ter 100.000 ou 200.000 tiros. Nós compramos uma pequena, de 30.000. E meu marido presenciou o acendimento da maior pagara de Aruba esse ano, que foi comprada pela padaria do nosso bairro. Ela tinha 8 milhões de tiros. Depois que a pagara toda estoura, o chão fica todo vermelho e por toda parte que se vá, as calçadas estão vermelhas.

diversos tamanhos de pagara

No canto inferior direito, pode-se ver alguns tamanhos de pagara

pagara 1

A pagara da padaria toda desenrolada no chão

pagara 2

Alguns dos 8.000.000 de tiros

pagara 3

E lá se foi a pagara

Aqui um vídeo rapidíssimo da pagara, que demorou quase 5 min. para queimar toda.

Outra tradição de fim de ano é a queima de fogos promovida por um dos maiores supermercados locais. É uma queima de fogos bem grande, dura quase meia hora e vale a pena presenciar. Ela costuma ser no dia 29 ou 30 de dezembro de cada ano.

E então chega o grande dia para queima de fogos: a passagem do ano. O primeiro reveillón que eu passei aqui foi de 2003 para 2004 e apesar de ter escutado muito barulho, não deu para ver muita coisa. Então ano passado, fomos ver o reveillón na casa do meu cunhado. Ele mora num sobrado no alto de um morrinho que fica entre a orla marítima dos hotéis high rise e a parte de dentro da cidade. E ele tem sacadas que dão frente tanto para uma parte quanto para a outra. Com base nisso, eu posso dizer que o reveillón em Aruba não deve ser visto do nível do chão. Além de cada hotel fazer seu show de fogos, também os moradores fazem seu show particular. Até mesmo nós que não gastamos quase nada (menos de 40 reais) conseguimos soltar alguns fogos coloridos, imaginem aqueles que realmente se inspiram. Eu fiz dois vídeos curtinhos, de qualidade caseira, mas que dão uma idéia de como é.

Esse é o vídeo que mostra a orla marítima:

E aqui está o vídeo que mostra a cidade. Eu tentei dar uma panorâmica. Vejam como parece que todo mundo solta fogos ao mesmo tempo.

 

Sinterklaas está em Aruba

Os turistas que vem a Aruba nesta época do ano podem viver um pouco da experiência de Sinterklaas, que está passando a temporada em Aruba.

Essa é uma tradição holandesa que se reproduz aqui também. Como eu comentei antes, ele é quem vem dar presentes às crianças arubianas. A figura do Sinterklaas é inspirada em São Nicolau de Bari, que foi bispo na região de Mira, na atual Turquia. Aliás, ele está enterrado em Istambul, e segundo me contaram alguns conhecidos, não é difícil ver holandeses perto de seu túmulo cantando musiquinhas tradicionais, hehehe. Existem muitas lendas a seu respeito que o fizeram conhecido por preocupar-se com a educação das crianças e suas mães. Também há uma lenda que conta que um pai não tinha dinheiro para o dote para casar a filha e dizem que São Nicolau subiu na chaminé e deixou algumas moedas de ouro para ajudar.

Bom, de tudo isso, acrescentaram-se outros elementos e o mito do Sinterklaas holandês ficou assim: ele é alto e magro, usa roupas de bispo, segura um cajado, vem de Madrid (!), de barco (?!), montado em seu cavalo branco chamado Américo e com seus ajudantes, que tem todos o mesmo nome: zwarte piet (pedro preto). Essa parte dos ajudantes é bem controversa porque obviamente há um elemento de racismo aí. A festa de Sinterklaas tornou-se mais tradicional na Holanda no século XIV, época em que os negros não eram ajudantes, mas sim escravos. E os holandeses (juntamente com os portugueses) foram grandes traficantes de negros, inclusive as ilhas de Bonaire e Curaçao eram centros de comércio de pessoas. Ainda vou escrever um post contando a diferença demográfica entre Aruba e essas outras duas ilhas.

Segundo registros antigos, as crianças holandesas eram ensinadas que o Zwarte Piet era um demônio vencido pelo bispo e outros diziam que era um escravo africano que tinha deixado o paganismo e abraçado o cristianismo. Com o tempo, tanto uma quanto a outra história passaram a pegar mal, então atualmente dizem que o Zwarte Piet está escuro por causa da sujeira do carvão das chaminés. Não sei como essa história entra na cabeça das crianças arubianas, que só conhecem chaminés através de desenhos ou fotos. Sinterklaas tem um caderno onde está anotado tudo o que cada criança faz de bom e de ruim. A função do Zwarte Piet é ajudar o Sinterklaas entregando presentes para as crianças que se comportam bem. Já as que se comportam mal, ele põe no saco e leva pra Madrid. Ele também pode deixar um pacote de sal para as que não se comportaram tão mal assim.

Na época em que morávamos em Madrid era super engraçado perceber a curiosidade das crianças da família em relação a nós, que morávamos no mesmo lugar que o Sinterklaas. Meu marido até brincava dizendo que alguns anos antes ele não tinha se comportado bem e foi assim que ele foi parar lá, no saco do Zwarte Piet.

zwarte piet e seu saco

O Zwarte Piet e o seu saco estão por todas as partes. Esse aí está na escola de balé da filhota.

Sinterklaas se transformou em Santa Claus ou Papai Noel quando holandeses imigraram para Nova York e se instalaram por lá. Outra diferença entre um e outro é que Sinterklaas não vem por um dia, mas sim por uma temporada. Ele chega em meados de novembro e sua chegada é um grande evento.

Todos vão ao porto esperar sua chegada e os que podem, inclusive acompanham o barco até o cais, para dar as boas vindas.

 

barco Sinterklaas

O barco grandão tem Sinterklaas e sua comitiva chegando a Aruba.

Outra coisa legal é que só existe um Sinterklaas em Aruba. De modo que, ao contrário do Papai Noel no Brasil, não é possível ver um numa loja e outro bem diferente em outra, apenas 30 segundos depois. O Sinterklaas tem uma programação bem agitada, visita escolas, vai a eventos e até vai a lojas. A programação dele é comentada na rádio e na tv e assim é possível saber onde ele vai estar cada dia.

Oficialmente, ele entrega os presentes quando vai embora, no dia 6 de dezembro. Na noite anterior, as crianças deixam os sapatos para fora com cenoura para o cavalo dele e no dia seguinte, a cenoura desaparece e em seu lugar aparecem doces: kruidnoten (uma bolachinha pequena, redonda e adorada por todos aqui em casa) e/ou uma letra de chocolate. Os holandeses costumam por a letra do sobrenome da criança, o que faz com que todos da casa tenham a mesma letra (e também que existam letras dificílimas de encontrar, como o R ou o S). Eu acho isso muito sem graça por isso aqui em casa, damos a letra do nome. Como a filhota está se comportando muito bem, a letrinha dela já está garantida.

letra de chocolate

Existem pessoas que dão presentes diversos, brinquedos, etc. Nós não vemos a necessidade disso nem nossa filha. Acredite se quiser, mas ela já disse às duas avós que não quer nada de presente de Sinterklaas ou de Natal. Disse à vovó do Brasil que já tem muitos brinquedos e disse à Oma de Aruba que já tem muitas roupas e muitos sapatos. Como ela já tem essa qualidade rara de não ser gananciosa e nós não pretendemos estimular, ela vai ganhar seu saquinho de kruidnoten e a sua letrinha. 😉